Prescrições que fazem mais mal do que bem
A parcela de idosos na população brasileira vem crescendo muito nas últimas décadas. Entre as décadas de 1940 e 1970, houve um grande aumento da expectativa de vida da população, devido, sobretudo, às ações de saúde pública, como vacinação e saneamento básico; e devido aos avanços médico-tecnológicos. Além disso, os processos de urbanização e planejamento familiar que marcaram a década de 1960 acarretaram uma significativa redução da fecundidade, resultando um aumento da proporção de pessoas com 65 anos ou mais (Fonseca & Carmo, 2000; Chaimowicz, 1997). Estima-se que em 2025, a população brasileira terá aumentado cinco vezes em relação à de 1950, ao passo que o número de pessoas com idade superior a 60 anos terá aumentado cerca de 15 vezes. Esse aumento colocará o Brasil na condição de portador da sexta maior população de idosos do mundo, em termos absolutos (Fonseca & Carmo, 2000), o que demandará melhorias no modelo de atenção à saúde prestado no país, sobretudo no tocante às deficiências da assistência farmacêutica prestada à população (Karnikowski et al., 2004).
Sendo marcado por uma elevação da freqüência de doenças crônico-degenerativas, o processo de envelhecimento é acompanhado por uma maior demanda pelos serviços de saúde e por medicamentos, o que predispõe grandemente a população geriátrica aos riscos da prática de polifarmácia e aos efeitos adversos dos medicamentos (Anderson & Kerluke, 1997). No entanto, deve-se atentar para o fato de que o organismo idoso apresenta mudanças em suas funções fisiológicas que não devem ser desconsideradas, pois podem levar a uma farmacocinética diferenciada e maior sensibilidade tanto aos efeitos terapêuticos quanto adversos das drogas.
Mudança dos parâmetros farmacológicos no organismo idoso
De todos os parâmetros farmacológicos, talvez a distribuição e a metabolização sejam os mais afetados pelo envelhecimento do organismo. A biodisponibilidade de drogas hidrossolúveis administradas por via oral, por exemplo, pode estar aumentada, haja vista que o idoso possui menor teor de água no organismo, o que acarreta redução em seu volume de distribuição (Beyth RJ & Shorr RI, 2002). Além disso, o fluxo sanguíneo hepático costuma estar diminuído, por vezes reduzido quase à metade, com conseqüente redução do metabolismo de primeira passagem dos fármacos (Fonseca & Carmo, 2000; Beyth RJ & Shorr RI, 2002; Thorn Burg, 1997).
Drogas lipossolúveis, como o diazepam, por exemplo, apresentam maior volume de distribuição no idoso, pois a proporção de tecido adiposo nesses indivíduos é maior (Beers et al., 1991). Duas outras condições que freqüentemente se apresentam no idoso podem contribuir para uma distribuição irregular dos medicamentos: a) a concentração plasmática de albumina tende a ser menor, o que faz com que a ligação das drogas a essas proteínas também esteja reduzida, resultando maior fração livre da droga no plasma e maior volume de distribuição; b) a eliminação renal pode estar prejudicada, prolongando a meia-vida plasmática dos fármacos e aumentando a probabilidade de causar efeitos tóxicos (Beyth & Shorr, 2002; Thorn Burg, 1997; Beers et al., 1991). Neste contexto, algumas categorias de medicamentos passaram a ser consideradas impróprias para o idoso, seja por falta de eficácia terapêutica ou por um risco aumentado de efeitos adversos que supera seus benefícios quando comparadas com outras categorias de medicamentos, devendo ter seu uso evitado. Em 1991, Beers et al (1991) publicaram os primeiros critérios definindo medicamentos impróprios para idosos asilados.
Apesar desses critérios terem sido inicialmente desenvolvidos para os idosos mais frágeis e doentes que residem em casas assistenciais, muitos autores passaram a utilizá-los com adaptações para avaliação das prescrições realizadas aos idosos não institucionalizados (Stuck et al., 1994; Willcox et al., 1994). Com o advento de um maior número de alternativas terapêuticas e a publicação de estudos consensuais entre especialistas em geriatria e farmacologia (Beers, 1997; Pollow et al., 1994), passou a ser possível generalizar determinados critérios a toda população idosa, a despeito de nível de fragilidade, co-morbidades associadas ou local onde residem. A descrição das principais conclusões de alguns destes estudos e suas principais justificativas para considerarem determinados produtos farmacêuticos impróprios para idosos encontram-se transcritas no quadro 1, onde foram enfocados, sobretudo aqueles referenciados por diferentes autores como medicamentos a serem evitados a todo custo.
Diante do cenário exposto acima, é importante que uma prescrição adequada para o idoso:
a) considere o estado clínico geral do paciente;
b) minimize o número de drogas a serem administradas para evitar interações medicamentosas e maiores possibilidades de reações adversas;
c) seja iniciada com pequenas doses e adequada conforme a resposta;
d) evite ao máximo o uso de medicamentos considerados impróprios pela literatura médica e científica;
e) e em situações em que os mesmos não possam ser evitados, que seu uso se dê com cautela e monitoramento constante.
O uso racional de medicamentos pelos idosos é fundamental para evitar gastos excessivos com múltiplos medicamentos e prevenir internações desnecessárias, de modo a desonerar o sistema público de saúde bem como assegurar boa qualidade de vida a esses indivíduos.
Leia o artigo original em:
https://www.scielosp.org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/csc/v10n2/a08v10n2.pdf VOLTAR